domingo, 3 de março de 2013

Amor (Amour, 2012)



Ao entrar no cinema, ainda pelo horário de 17h30minh, o tempo estava claro e o céu azul, uma bela paisagem. Quando saí do cinema, com os meus amigos, a noite já tinha caído, o céu estava escuro e estrelado. O tempo passou, o dia virou noite, como é de se esperar todos os dias, logicamente. Haneke poderia ter feito um filme sobre essas horas que eu e mais dezenas de pessoas compartilhamos dentro de uma sala de cinema. Competente do jeito que é, não duvido que saísse daí um filme muito autoral e interessante.

Fiz esta pequena introdução, óbvia em sua primeira parte, para explicar que enxergo em Amor um filme que fala acima de tudo sobre o tempo, e não sobre velhice. Com o tempo vêm os percalços, os infortúnios, a saudade e também a velhice, que parece ser mais um estado de alma do que uma fase da vida.

Em Amor, acompanhamos o dia a dia de um casal octogenário vivido de forma brilhante por Jean-Louis Trintignant (Georges) e Emanuelle Riva (Annie), até que Annie (Riva) sofre um AVC e fica com o lado direito do corpo paralisado. A partir daí, começa a derradeira e irreversível descida ao fim.

Sou sobrevivente de outros filmes de Haneke e para mim suas obras ultrapassam todos os limites cinematográficos e seus filmes acabam virando experiências, na maioria das vezes violentas, por isso me considero um sobrevivente, dentre tantos outros que apreciam sua cinematografia. Com “Amor” não é diferente.

Em “Amor”, acompanhamos o passar de um dia, um mês, ou oitenta anos. O tempo é elemento fundamental, seja ele o tempo de cada cena, o tempo de seus personagens, que demoram mais tempo para se levantar da mesa da cozinha para ir até a pia molhar um pano (Haneke tem toda a paciência do mundo ao filmar a calma com que seus atores se movimentam) ou o tempo que acontece fora, aquele que não vemos, o tempo que Georges leva para pegar o álbum de fotos enquanto vemos Anne sentada na mesa da cozinha, ou o tempo em que Georges vai até o outro cômodo da casa buscar Anne e somos obrigados a ver o desconforto de seu ex-aluno em esperar na sala (desse tempo, Haneke cuida especialmente bem, já que é característica de seu cinema), ou o tempo real, esse o mais implacável de todos.

Com o tempo se vem a velhice, por isso defendo a ideia de que o filme é sobre tempo e não velhice, a velhice parece só chegar com o segundo AVC de Anne, até então os personagens são apenas pessoas com mais tempo de vida. E ficamos surpresos ao descobrir que esses dois vivem juntos há quase um século e ainda não sabem tudo um sobre o outro.

“Amor” é uma poesia cinematográfica, Haneke é um poeta, mas não um poeta bondoso e misericordioso, apesar de ele tirar tanta beleza da implacabilidade e fúria do tempo, seu filme ainda é forte e violento, porque mexe com aquilo que mais tememos durante toda a nossa frágil existência: o fim.

sábado, 5 de janeiro de 2013

Compliance (Compliance, 2012)



Recentemente, mais especificamente hoje, saiu o listão dos aprovados da Universidade Federal do Pará logo pela manhã, e como forma de brincar com os meus amigos fiz um post no facebook que transcrevo aqui: “PASSSEEEIIIIIII!!! Finalmente! Achei que não ia conseguir! Agora é só festaaaaaaa! Um soco na mente daqueles que não acreditaram em mim! Matei o Super Galo e passei para a próxima fase de A Invasão das Galinhas! Tão feliz!”.

            Bom, não passei no vestibular, até porque já estou me formando na Universidade referida (porque eu faria um novo vestibular?). Acredito que deixei bem claro a ironia de que aquilo não passava de uma brincadeira (até usei o nome trash de um jogo para computador justamente para reforçar a ironia do comentário), mas mesmo assim algumas pessoas me cumprimentaram pela “grande conquista”, realmente acreditando que seria um calouro. O que me faz pensar: ou elas não leram o post na íntegra ou elas simplesmente nunca foram apresentadas a ironia.

            Porque coloco como introdução um fato bizarro como este dentro de uma análise de um filme como Compliance? Porque ironicamente, a medida que via as pessoas me parabenizando resolvi assistir esse filme, dirigido por Craig Zobel, mesmo sem saber do que se tratava, e vi incríveis semelhanças do acontecimento do filme como o meu acontecimento bizarro nesta rede social, que explicarei logo adiante.

            Compliance conta a história de uma lanchonete de uma cidade do interior dos Estados Unidos, gerenciada por Sandra Fromme (Ann Dowd), que recebe um telefonema da polícia afirmando que uma de suas funcionárias havia roubado uma quantia em dinheiro da bolsa de uma cliente que estava na delegacia fazendo a denuncia, logo a funcionária Becky (Dreama Walker) é chamada na sala da gerência que fica nos fundos da lanchonete (onde a maior parte do filme se passa) para ser revistada, a partir daí os conflitos vão se desenvolvendo.

            Compliance (que ainda não recebeu um título nacional) é desenvolvido com uma direção extremamente competente de Craig Zobel, que ainda escreve o filme. Apesar de o filme ser quase teatral por se passar na maior parte dentro de um mesmo local e com uma quantidade restrita de personagens, o suspense e os conflitos são tão bem desenvolvidos, com tanto cuidado, que é bem difícil do espectador se sentir desinteressado. A câmera parece a todo o momento estar desfilando por aquele local simples e bastante esquecível, filmando sempre em planos-detalhe os objetos e instrumentos com quais aqueles funcionários trabalham, revelando-os com bastante tristeza e simplicidade. A trilha sonora é bastante elegante e precisa ao reforçar os momentos mais tensos com um violoncelo de acordes pesados.

            O elenco é composto por atores desconhecidos do grande público, como Dreama Walker, da série cômica Apartamento 23, e Ann Dowd, que até então tinha feito apenas personagens secundários em filmes independentes. Dreama Walker é o elo fraco do filme, apesar de ser a protagonista, deixando o caminho completamente livre para que Ann Dowd possa brilhar ao revelar sua Sandra Fromme como uma mulher extremamente calma, por vezes patética, mas que pode elevar o tom da voz de vez em quando, nada que seja autoritário, já que na maioria das vezes ela o faz para demonstrar alguma autoridade com seus funcionários, que sempre zombam secretamente dela.

            O fato é que Compliance levanta uma série de debates fundamentais da sociedade em que vivemos e hoje. Por isso, se você ainda não viu o filme e pretende vê-lo, aconselho-o para por aqui. Repito, se você ainda não viu o filme e pretende vê-lo, pare a leitura por aqui. Se você ainda não entendeu, por favor, leia este parágrafo mais uma vez.

           
SPOILERS: 
O telefonema deste suposto policial acusando uma das funcionárias dessa lanchonete de roubo é falso, não se passa de um trote de alguém que tem muito tempo livre e a fim de atrapalhar a vida dos outros, mas em nenhum momento qualquer personagem da história cogita esta possibilidade (o que pode parecer uma falha do roteiro, mas não é), o que faz com que Becky seja submetida a uma série de abusos, inclusive um forçado sexo oral devido a uma restrita “ordem policial”. Caso ela não cumpra suas ordens, ela será presa. Mas nenhum personagem acha que essas ordens já foram longe demais, e apenas obedecem elas cega e pateticamente.

Além de levantar a discussão sobre trotes telefônicos (que aqui no Brasil já tem chegado a índices alarmantes, mas que ainda é pouco privilegiada), o filme ainda discute a relação funcionário/patrão em uma situação delicada como esta, mas, talvez, a mais importante de todas é a discussão de como somos seres feitos e educados para obedecer as ordens que vem de cima, aniquilando totalmente qualquer habilidade de raciocínio ou questionamento.

Na sociedade de hoje, vemos padres e bispos como figuras de autoridade, são eles os donos da verdade religiosa e obedecemos com medo de sermos castigados, pagamos o dízimo (que por vezes assumem um valor absurdamente caro) sem sequer saber para onde ele vai ou o motivo de sua importância, só ouvimos que essa é a palavra de Deus e estamos bem com isso, compramos a nossa passagem aos reinos do céu.

Em Compliance não é muito diferente, a polícia está aí para manter a ordem, para nos dizer o que fazer, então se um policial do outro lado da linha diz que eu devo obrigar uma funcionária a tirar a roupa e abrir mão de qualquer dignidade expondo-a a tamanha humilhação, eu o faço, com medo de ser preso, sem em nenhum momento questionar se ele já passou dos limites ou sequer questionar se ele realmente é um policial. Parece um absurdo, mas esse tipo de situação já aconteceu mais de 70 vezes nos Estados Unidos.

Agora voltando ao assunto do início do texto (caso você não se lembre, pode ler os dois primeiros parágrafos, eu espero). Parece-me, hoje, que somos cobertos por uma cegueira que nos impede de ver as coisas que estão na nossa frente, mesmo deixando explícito que aquilo não passava de uma brincadeira (meus posts são geralmente muito irônicos, que brincam com as situações bizarras do cotidiano, o que ainda deixa mais claro o teor falso do meu comentário) as pessoas continuaram me parabenizando, inclusive pessoas da minha família, que sabem que estou prestes a me formar. Então, levando em conta os fatos, acredito que Compliance deveria ser exibido obrigatoriamente em todos os cinemas de todas as cidades, ele é de utilidade pública, e urgente. Hoje, pedir para as pessoas pensarem e questionarem é tão difícil quanto a aparição de pôneis voadores feitos de pudim. Não, eles não existem, sociedade.

terça-feira, 31 de julho de 2012

A Mulher Canhota (The Left-Handed Woman, 1976)




É verdade que nossa sociedade vive em uma ditadura da felicidade, onde todos aparentemente são felizes e sabem exatamente o que isso significa, o que nos qualifica ensinar ao próximo o que é ser feliz, e empurrar goela abaixo todos os nossos parâmetros e regras que ninguém pode deixar de seguir.

A Mulher Canhota nos apresenta uma Alemanha pós-guerra, triste, gélida, desconsoladora e que nos convida ao afastamento humano aliás, me arrisco a dizer que o lugar funciona como personagem coadjuvante da história, já que esta sempre se apresenta como um local desconfortável, suas ruas têm sempre pouquíssimas pessoas e sua paisagem para ser estar em um constante estado de depressão, traduzindo o estado de espírito de sua personagem principal, como por exemplo, um bosque que se apresenta com suas árvores cortadas, logo depois da fatídica decisão.

O filme é baseado no livro de Peter Handke, e conta a história de Marianne, mulher inteligente e de meia idade, que por um motivo desconhecido resolve mandar o marido sair de casa e resolve viver sozinha com seu filho ainda pequeno, abrindo mão da família, do conforto financeiro para viver uma vida sozinha e por vezes solitária.

O fato é que nunca descobrimos por parte de Marianne porque esta se separou do marido, já que este se revela um homem ideal, trabalhador, fiel e preocupado com a família. Ela toma a decisão e sequer se dá o trabalho de justificá-la. O diretor Peter Handke, parece sempre nos instigar a descobrir o motivo, mas sem nunca dar pistas ou conclusões suficientes para que possamos fazê-lo, o que só aumenta mais o interesse Parece que Marianne resolveu se desafiar e desafiar as pessoas próximas de que é capaz de levar uma vida sozinha, mas não solitária, embora todos ao seu redor achem um absurdo sua decisão e tentem a todo o momento convencê-la de voltar atrás, e esta se mostra irredutível.

Marianne lança a mão de uma vida segura, confortável e aparentemente feliz para viver sozinha em uma casa imensa, perambulando nas ruas de sua cidade, vivenciando a sua vida consigo mesma.

Hoje, tomar uma decisão como essa parece loucura, já que vivemos em uma sociedade normativa que estabeleceu regras que servem como manuais de como sermos felizes, especialmente para as mulheres, que desde cedo são educadas para serem boas esposas, donas de casa e mães. Aqueles que abdicarem dessa ideia são loucos e não têm a menor chance de serem felizes.

O roteiro parece ser criado ao acaso, onde depois da decisão de sua protagonista nada mais acontece, não possui ação dramática, é como se estivéssemos testemunhando uma vida acontecendo livremente sob os nossos olhos, Marianne vai sendo levada pelo espaço e pelo tempo, imóvel e desinteressada de mudar de vida.

No final das contas, A Mulher Canhota aparentemente conta a história de uma mulher que resolveu se questionar esses valores rígidos e não foi em busca da felicidade, mas atrás de si mesma, seguindo um caminho completamente diferente das outras (daí o nome A Mulher Canhota). Ao longo da projeção acompanhamos Marianne vivendo momentos de extrema alegria, como passear com seu filho ou mesmo com seu pai, e momentos de extrema solidão, ao chorar sozinha durante a noite olhando a paisagem lá fora. O que prova que tanto as pessoas casadas, com famílias perfeitas e construídas quanto as pessoas sozinhas, que vivem por si mesmas, tem seus momentos de alegria e tristeza e que esses valores são apenas reflexos de uma sociedade fria, autoritária e que não se reconhece, nem a si mesma e nem o seu lugar no mundo. Marianne é um anti-heroína. 

domingo, 15 de julho de 2012

Sinédoque, NY (Synecdoche, New York, 2008)




       "Sinédoque, NY" é um filme pessimista e realista sobre os fracassos de uma ou de todas as vidas. Passamos a vida inteira ouvindo frases de auto-ajuda como "Todo mundo é protagonista de sua própria história", e em um certo momento do filme, seu protagonista chega a repetir essa frase, mas só para logo em seguida testemunharmos de que essa não é bem a verdade, haja vista que a vida do diretor teatral Caden Cotard (Philip Seymour Hoffman) parece criar vontade própria e excluí-lo de tudo, assim como fizeram todas as mulheres que o conheceram, até ele se tornar um mero boneco que exerce atividades diárias banais ao som de uma voz que sai de sua cabeça lhe dizendo tudo o que fazer.

Além de ter escrito o roteiro, Kaufman também estréia na direção e parece bem intencionado em brincar com todas as frases de efeito que costumamos ouvir durante nossas vidas, como: "A vida é um palco". Em Sinédoque NY, a vida é um palco mesmo, literalmente. Caden Cotard é homenageado com um prêmio que lhe proporciona um orçamento enorme para realizar o espetáculo teatral de sua carreira, de grande magnitude, desde então Caden passa anos tentando realizar a grande obra de sua vida, a sua vida. Tudo se torna tão grande, mas tão grande, que aos palcos sua criação começa a tomar-lhe conta, é tudo muito megalomaníaco, o que cria uma linda ironia ao descobrirmos que sua ex-mulher Adele Lack (Catherine Keener) é uma artista que trabalha com pinturas em miniaturas, que as pessoas só conseguem vê-las completamente usando um óculos microscópico, o que revela a absurda discordância dos dois artistas, tanto na vida profissional quanto na vida amorosa.

O primeiro filme escrito por Kaufman que assisti foi Adaptação, há muitos anos, e lembro de ter amado a experiência justamente pela forma sutil como ele trata seus personagens, logo depois vi Brilho Eterno de uma mente sem lembranças, e foi outra experiência inigualávelmente bela. Desde então, pensei que Kaufman não pudesse se superar, mas estava absurdamente errado, em Sinédoque NY, ele não só se supera como cria uma outra obra-prima. É um filme completamente autoral, é feito por Kaufman para Kaufman, talvez isso seja o mais incrível na obra, o exercício catártico de um grande escritor, agora também diretor.

Sinédoque NY não é mais um filme, é um evento cinematográfico. Apesar de ter um elenco formidável, desde Catherine Keener (uma das melhores atrizes da cena independente americana) até Philip Seymour Hoffman, passando por Diane Wiest, o filme não é de nenhum deles. Ao acabar temos a sensação de ter presenciado um ato egoísta, é um filme de Kaufman, por Kaufman, para Kaufman, o que só engrandece a obra. Sinédoque NY é obrigatório, lírico, uma aula de cinema e teatro.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

O tempo de cada um (Personal Velocity, 2002)





          A simplicidade da lágrima que corre pelo rosto de uma mulher que, de repente, descobre que a vida que ela possui e muitos julgam perfeita, já não é mais o bastante. Greta Herskowitz (Parker Posey) parece sempre estranhar o mundo e as pessoas a sua volta com um olhar de curiosidade e por vezes indiferença, ela parece se descobrir cada vez mais e se surpreender com suas ações, o problema é que o resultado nem sempre é bom. Para ela, é irônico o fato de se descobrir humana e portanto, suscetível aos mesmos erros que seu pai cometeu no passado e que ela tanto detestava.

          É sobre isso o filme de Rebecca Miller, sobre a auto-generosidade de nos descobrirmos humanos e sobre as eternas e cegas buscas por uma felicidade que outrora nos disseram que existe, mas que parece escapar sempre que chegamos mais perto.

          Rebecca Miller possui um olhar atento, aguçado e honesto com suas personagens que pertencem ao livro de contos que ela mesma escreveu e que são levadas para as telas do cinema como extrema dedicação e competência de atrizes respeitadas como Kyra Sedgwick, Parker Posey e Fairuza Balk.

          Assisti "O tempo de cada um" pela primeira vez em 2007 e desde então se tornou o filme que me abriu as portas ao cinema americano independente e francamente, desde então descobri pérolas tão valiosas quanto o filme de Rebecca Miller. Cassavetes estaria orgulhoso.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Atração Fatal (Fatal Attraction, 1987)




O cinema recentemente assumiu uma posição importante não só no ramo do entretenimento, mas também na dimensão social dos assuntos que são discutidos, porém durante a produção seus responsáveis não têm a mínima ideia de como ele vai ser recebido pelo público, uma prova disso é o filme de Adrian Lyne, Atração Fatal (1987).

Que Glenn Close é motivo para assistir qualquer filme que tenha seu nome na ficha técnica, qualquer cinéfilo que se preze sabe, porém, aqui, ela não é o único motivo para descobrir o filme, seu excelente roteiro e forma como ele é conduzido com extrema segurança por Lyne, são outros motivos suficientes para dar uma olhada.

O filme foi lançado na década de 1980 e toca em diversos assuntos como relação extra-conjugal e família, mas tem um assunto que seus produtores jamais poderiam imaginar que iria chamar tanta atenção, o feminismo. O fato é que o filme traz à tona a realidade da mulher americana independente profissionalmente e solteira em uma época onde as mulheres lutava de forma fervorosa pelos seus direitos em todas as áreas. Só que retratar o tipo de mulher que acabei de citar acima, como uma desequilibrada e psicótica, não agradou nada as fervorosas feministas, levando o discurso em questão a nível nacional, transformando o filme em um célebre exemplar de discussão social.

Comentado tanto por sociólogos quanto por psicanalistas, o filme surge como um belo exemplo do cinema como prática social, espaço aberto para trazer à tona tabus engessados por uma sociedade ainda pouco evoluída quando o assunto é a categoria Mulher.

Só para finalizar, Glenn Closse é extremamente hábil ao não transformar Alex Forrest em uma vilã sem escrúpulos. Em todo momento vemos a personagem como alguém completamente alheia aos atos cruéis que comete, ciente de que aquilo é para o bem de todos, o que reforça ainda mais o seu desequilíbrio psicológico. No fundo, Alex Forrest não chega nem perto de ser o exemplo da mulher contemporânea como todos afirmavam cheios de medo, mas é uma mulher única, que representa somente a natureza cruel de alguém que recebeu pouca atenção na vida.

domingo, 1 de abril de 2012

Fome (Hunger, 2008)



É preciso de muito cuidado ao falar de filmes como Hunger, o primeiro filme do diretor Steve McQueen, pois é muito fácil elogiá-lo pela ousadia e pela macabra transformação que seu personagem principal sofre, interpretado por Michael Fassbender, mas é preciso uma análise mais detalhada do filme como um todo.

Decidido a mostrar o inconformismo e guerra do povo britânico perante o governo polêmico de Margareth Thatcher sob outro ângulo, Steve McQueen além de ousado, possui um imenso conhecimento técnico cinematográfico, desde os primeiros momentos da projeção já possível perceber que não se trata de um filme comum e nem um filme de fácil de digestão, alternando entre momentos de extremo silêncio e outros de torturas, o filme nos causa náuseas e admiração, ao mesmo tempo.

O grande Michael Fassbender, que já começou a ser esnobado pelas grandes premiações do cinema norte-americano desde esse filme, exerce um belo trabalho, mas não, não por causa de sua assustadora transformação física, chegando a um estado desumano de magreza, mas pela grande presença e segurança que estabelece desde seu primeiro momento em cena. Sempre preocupado em justificar as ações de seu personagem, graças ao competente roteiro escrito também pelo seu diretor, ele faz com que enxerguemos seu personagem como um ser real, movido por suas causas políticas e mostrando-se sempre irredutível ao que acredita. Seus maiores momentos não estão na exibição de sua magreza, mas sim no seu incrível monólogo ao conversar com o padre, no qual se mostra como um ser com uma grande inquietação política e com fortes argumentos. Uma figura forte, sem dúvidas.

Acredito que os únicos momentos que o filme peca, são os quais revelam uma exacerbada frieza de seus personagens, como a figura materna que não tem força alguma e na cena em que seu filho o visita.

Hunger, sem dúvidas, é um filme forte, autoral e que inicia um excelente trabalho em dupla de seu ator e diretor, que merece perdurar durante os anos.
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Sobre Cinema e Lobos

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"Se você não vive a própria vida, não é como se vivesse outra vida, é como se não vivesse nenhuma."