sábado, 5 de janeiro de 2013

Compliance (Compliance, 2012)



Recentemente, mais especificamente hoje, saiu o listão dos aprovados da Universidade Federal do Pará logo pela manhã, e como forma de brincar com os meus amigos fiz um post no facebook que transcrevo aqui: “PASSSEEEIIIIIII!!! Finalmente! Achei que não ia conseguir! Agora é só festaaaaaaa! Um soco na mente daqueles que não acreditaram em mim! Matei o Super Galo e passei para a próxima fase de A Invasão das Galinhas! Tão feliz!”.

            Bom, não passei no vestibular, até porque já estou me formando na Universidade referida (porque eu faria um novo vestibular?). Acredito que deixei bem claro a ironia de que aquilo não passava de uma brincadeira (até usei o nome trash de um jogo para computador justamente para reforçar a ironia do comentário), mas mesmo assim algumas pessoas me cumprimentaram pela “grande conquista”, realmente acreditando que seria um calouro. O que me faz pensar: ou elas não leram o post na íntegra ou elas simplesmente nunca foram apresentadas a ironia.

            Porque coloco como introdução um fato bizarro como este dentro de uma análise de um filme como Compliance? Porque ironicamente, a medida que via as pessoas me parabenizando resolvi assistir esse filme, dirigido por Craig Zobel, mesmo sem saber do que se tratava, e vi incríveis semelhanças do acontecimento do filme como o meu acontecimento bizarro nesta rede social, que explicarei logo adiante.

            Compliance conta a história de uma lanchonete de uma cidade do interior dos Estados Unidos, gerenciada por Sandra Fromme (Ann Dowd), que recebe um telefonema da polícia afirmando que uma de suas funcionárias havia roubado uma quantia em dinheiro da bolsa de uma cliente que estava na delegacia fazendo a denuncia, logo a funcionária Becky (Dreama Walker) é chamada na sala da gerência que fica nos fundos da lanchonete (onde a maior parte do filme se passa) para ser revistada, a partir daí os conflitos vão se desenvolvendo.

            Compliance (que ainda não recebeu um título nacional) é desenvolvido com uma direção extremamente competente de Craig Zobel, que ainda escreve o filme. Apesar de o filme ser quase teatral por se passar na maior parte dentro de um mesmo local e com uma quantidade restrita de personagens, o suspense e os conflitos são tão bem desenvolvidos, com tanto cuidado, que é bem difícil do espectador se sentir desinteressado. A câmera parece a todo o momento estar desfilando por aquele local simples e bastante esquecível, filmando sempre em planos-detalhe os objetos e instrumentos com quais aqueles funcionários trabalham, revelando-os com bastante tristeza e simplicidade. A trilha sonora é bastante elegante e precisa ao reforçar os momentos mais tensos com um violoncelo de acordes pesados.

            O elenco é composto por atores desconhecidos do grande público, como Dreama Walker, da série cômica Apartamento 23, e Ann Dowd, que até então tinha feito apenas personagens secundários em filmes independentes. Dreama Walker é o elo fraco do filme, apesar de ser a protagonista, deixando o caminho completamente livre para que Ann Dowd possa brilhar ao revelar sua Sandra Fromme como uma mulher extremamente calma, por vezes patética, mas que pode elevar o tom da voz de vez em quando, nada que seja autoritário, já que na maioria das vezes ela o faz para demonstrar alguma autoridade com seus funcionários, que sempre zombam secretamente dela.

            O fato é que Compliance levanta uma série de debates fundamentais da sociedade em que vivemos e hoje. Por isso, se você ainda não viu o filme e pretende vê-lo, aconselho-o para por aqui. Repito, se você ainda não viu o filme e pretende vê-lo, pare a leitura por aqui. Se você ainda não entendeu, por favor, leia este parágrafo mais uma vez.

           
SPOILERS: 
O telefonema deste suposto policial acusando uma das funcionárias dessa lanchonete de roubo é falso, não se passa de um trote de alguém que tem muito tempo livre e a fim de atrapalhar a vida dos outros, mas em nenhum momento qualquer personagem da história cogita esta possibilidade (o que pode parecer uma falha do roteiro, mas não é), o que faz com que Becky seja submetida a uma série de abusos, inclusive um forçado sexo oral devido a uma restrita “ordem policial”. Caso ela não cumpra suas ordens, ela será presa. Mas nenhum personagem acha que essas ordens já foram longe demais, e apenas obedecem elas cega e pateticamente.

Além de levantar a discussão sobre trotes telefônicos (que aqui no Brasil já tem chegado a índices alarmantes, mas que ainda é pouco privilegiada), o filme ainda discute a relação funcionário/patrão em uma situação delicada como esta, mas, talvez, a mais importante de todas é a discussão de como somos seres feitos e educados para obedecer as ordens que vem de cima, aniquilando totalmente qualquer habilidade de raciocínio ou questionamento.

Na sociedade de hoje, vemos padres e bispos como figuras de autoridade, são eles os donos da verdade religiosa e obedecemos com medo de sermos castigados, pagamos o dízimo (que por vezes assumem um valor absurdamente caro) sem sequer saber para onde ele vai ou o motivo de sua importância, só ouvimos que essa é a palavra de Deus e estamos bem com isso, compramos a nossa passagem aos reinos do céu.

Em Compliance não é muito diferente, a polícia está aí para manter a ordem, para nos dizer o que fazer, então se um policial do outro lado da linha diz que eu devo obrigar uma funcionária a tirar a roupa e abrir mão de qualquer dignidade expondo-a a tamanha humilhação, eu o faço, com medo de ser preso, sem em nenhum momento questionar se ele já passou dos limites ou sequer questionar se ele realmente é um policial. Parece um absurdo, mas esse tipo de situação já aconteceu mais de 70 vezes nos Estados Unidos.

Agora voltando ao assunto do início do texto (caso você não se lembre, pode ler os dois primeiros parágrafos, eu espero). Parece-me, hoje, que somos cobertos por uma cegueira que nos impede de ver as coisas que estão na nossa frente, mesmo deixando explícito que aquilo não passava de uma brincadeira (meus posts são geralmente muito irônicos, que brincam com as situações bizarras do cotidiano, o que ainda deixa mais claro o teor falso do meu comentário) as pessoas continuaram me parabenizando, inclusive pessoas da minha família, que sabem que estou prestes a me formar. Então, levando em conta os fatos, acredito que Compliance deveria ser exibido obrigatoriamente em todos os cinemas de todas as cidades, ele é de utilidade pública, e urgente. Hoje, pedir para as pessoas pensarem e questionarem é tão difícil quanto a aparição de pôneis voadores feitos de pudim. Não, eles não existem, sociedade.
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