É
verdade que nossa sociedade vive em uma ditadura da felicidade, onde todos
aparentemente são felizes e sabem exatamente o que isso significa, o que nos
qualifica ensinar ao próximo o que é ser feliz, e empurrar goela abaixo todos
os nossos parâmetros e regras que ninguém pode deixar de seguir.
A
Mulher Canhota nos apresenta uma Alemanha pós-guerra, triste, gélida,
desconsoladora e que nos convida ao afastamento humano aliás, me arrisco a
dizer que o lugar funciona como personagem coadjuvante da história, já que esta
sempre se apresenta como um local desconfortável, suas ruas têm sempre
pouquíssimas pessoas e sua paisagem para ser estar em um constante estado de
depressão, traduzindo o estado de espírito de sua personagem principal, como
por exemplo, um bosque que se apresenta com suas árvores cortadas, logo depois
da fatídica decisão.
O
filme é baseado no livro de Peter Handke, e conta a história de Marianne,
mulher inteligente e de meia idade, que por um motivo desconhecido resolve
mandar o marido sair de casa e resolve viver sozinha com seu filho ainda
pequeno, abrindo mão da família, do conforto financeiro para viver uma vida
sozinha e por vezes solitária.
O
fato é que nunca descobrimos por parte de Marianne porque esta se separou do
marido, já que este se revela um homem ideal, trabalhador, fiel e preocupado
com a família. Ela toma a decisão e sequer se dá o trabalho de justificá-la. O
diretor Peter Handke, parece sempre nos instigar a descobrir o motivo, mas sem
nunca dar pistas ou conclusões suficientes para que possamos fazê-lo, o que só
aumenta mais o interesse Parece que Marianne resolveu se desafiar e desafiar as
pessoas próximas de que é capaz de levar uma vida sozinha, mas não solitária,
embora todos ao seu redor achem um absurdo sua decisão e tentem a todo o
momento convencê-la de voltar atrás, e esta se mostra irredutível.
Marianne
lança a mão de uma vida segura, confortável e aparentemente feliz para viver
sozinha em uma casa imensa, perambulando nas ruas de sua cidade, vivenciando a
sua vida consigo mesma.
Hoje,
tomar uma decisão como essa parece loucura, já que vivemos em uma sociedade
normativa que estabeleceu regras que servem como manuais de como sermos felizes,
especialmente para as mulheres, que desde cedo são educadas para serem boas
esposas, donas de casa e mães. Aqueles que abdicarem dessa ideia são loucos e
não têm a menor chance de serem felizes.
O
roteiro parece ser criado ao acaso, onde depois da decisão de sua protagonista
nada mais acontece, não possui ação dramática, é como se estivéssemos
testemunhando uma vida acontecendo livremente sob os nossos olhos, Marianne vai
sendo levada pelo espaço e pelo tempo, imóvel e desinteressada de mudar de
vida.
No
final das contas, A Mulher Canhota aparentemente conta a história de uma mulher
que resolveu se questionar esses valores rígidos e não foi em busca da
felicidade, mas atrás de si mesma, seguindo um caminho completamente diferente
das outras (daí o nome A Mulher Canhota). Ao longo da projeção acompanhamos
Marianne vivendo momentos de extrema alegria, como passear com seu filho ou
mesmo com seu pai, e momentos de extrema solidão, ao chorar sozinha durante a
noite olhando a paisagem lá fora. O que prova que tanto as pessoas casadas, com
famílias perfeitas e construídas quanto as pessoas sozinhas, que vivem por si
mesmas, tem seus momentos de alegria e tristeza e que esses valores são apenas
reflexos de uma sociedade fria, autoritária e que não se reconhece, nem a si
mesma e nem o seu lugar no mundo. Marianne é um anti-heroína.