domingo, 1 de abril de 2012

Fome (Hunger, 2008)



É preciso de muito cuidado ao falar de filmes como Hunger, o primeiro filme do diretor Steve McQueen, pois é muito fácil elogiá-lo pela ousadia e pela macabra transformação que seu personagem principal sofre, interpretado por Michael Fassbender, mas é preciso uma análise mais detalhada do filme como um todo.

Decidido a mostrar o inconformismo e guerra do povo britânico perante o governo polêmico de Margareth Thatcher sob outro ângulo, Steve McQueen além de ousado, possui um imenso conhecimento técnico cinematográfico, desde os primeiros momentos da projeção já possível perceber que não se trata de um filme comum e nem um filme de fácil de digestão, alternando entre momentos de extremo silêncio e outros de torturas, o filme nos causa náuseas e admiração, ao mesmo tempo.

O grande Michael Fassbender, que já começou a ser esnobado pelas grandes premiações do cinema norte-americano desde esse filme, exerce um belo trabalho, mas não, não por causa de sua assustadora transformação física, chegando a um estado desumano de magreza, mas pela grande presença e segurança que estabelece desde seu primeiro momento em cena. Sempre preocupado em justificar as ações de seu personagem, graças ao competente roteiro escrito também pelo seu diretor, ele faz com que enxerguemos seu personagem como um ser real, movido por suas causas políticas e mostrando-se sempre irredutível ao que acredita. Seus maiores momentos não estão na exibição de sua magreza, mas sim no seu incrível monólogo ao conversar com o padre, no qual se mostra como um ser com uma grande inquietação política e com fortes argumentos. Uma figura forte, sem dúvidas.

Acredito que os únicos momentos que o filme peca, são os quais revelam uma exacerbada frieza de seus personagens, como a figura materna que não tem força alguma e na cena em que seu filho o visita.

Hunger, sem dúvidas, é um filme forte, autoral e que inicia um excelente trabalho em dupla de seu ator e diretor, que merece perdurar durante os anos.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Albert Nobbs (Albert Nobbs, 2011)



Hoje em dia vivemos em uma sociedade primordialmente sexual, onde toda a espécie de vida humana é regida sob ele, o sexo. Desde o momento em que nascemos, quando o médico diz: “É um menino” ou “É uma menina”, o individuo é criado e educado para performar de acordo e a favor com que seu órgão sexual define, mas e quando isso não acontece? É exatamente disso que Albert Nobbs discute; da vida solitária e secreta das pessoas transgressoras do gênero.

Quando você nasce, seu sexo define seu papel social de gênero, isso de acordo com um pensamento ultrapassado, tradicional e canônico. De acordo com os estudos de gênero modernos, sexo não define gênero, que além de ser socialmente construído, não é natural por não haver nenhuma relação com o corpo. Ora, se gênero é um constructo social, logo Albert é um homem, já que se veste e age como tal, mas o fato é que ele não faz questão de se definir sob nenhum sistema de sexualidade e é aí que habita a sua maior transgressão.

É difícil falar de Albert Nobbs, ele é uma criatura completamente etérea, livre de qualquer conotação sexual, puro e angelical, eu diria até que Albert não tem sexo. Aliás, sexo, para ele, é um assunto extremamente complicado, já que este se revela muito confuso ao descobrir que Hubert Page é mulher também, e casada com outra mulher. Parado em frente do espelho, parece não compreender bem essa situação e se pergunta como é possível isso acontecer, “uma mulher se casar com outra mulher e viver como homem”. Na verdade, ele também é produto de uma sociedade que precisa imediatamente rotular tudo o que vê.

Albert Nobbs é um empregado de um pequeno hotel na Irlanda, no século XIX, admirado e respeitado por todos, ele vive seus dias na mais completa calma e solidão, escondendo sob seu apertado espartilho, seus seios, na verdade Albert é uma mulher, que se disfarça para poder juntar dinheiro em uma sociedade machista para abrir seu próprio negócio.

O filme pode suscitar uma série de discussões, sobre o poder, sobre o papel emancipatório da mulher em uma sociedade patriarcal e indiretamente até sobre as definições modernas de gênero, já que nunca é possível definir qual gênero o personagem principal pertence (o que nos gera um grande sentimento de inquietação). Para alguns ele é uma mulher travestida, para outros é um homem, mas basta conhecer um pouco sobre os estudos de gênero contemporâneos e perceberemos que essa não é uma tarefa fácil de definição. Em certo momento ao ser questionado sobre o seu nome, ele responde: “Albert”, e ao ser questionado novamente sobre o seu verdadeiro nome, ele responde sem hesitar: “Albert”, ou seja, essa é sua própria definição ou talvez ele não precise de uma.

             O trabalho de Glenn Close é bem sucedido ao retratá-lo como um ser assexuado, livre de quaisquer maneirismos, com apenas um foco na vida, juntar seu dinheiro e montar seu negócio, preocupado unicamente em fazer bem seu serviço e passar despercebido por todos, Albert perambula por aquele local sem chamar muita atenção, parece que seu olhar triste e resignado está sempre disposto a nos provocar um sentimento de piedade por aquele ser invisível.

            O filme foi visto por poucas pessoas, tendo gerado ao estúdio poucos milhões de dólares na sua estreia nos EUA, talvez seja por isso que tenha passado quase despercebido no Oscar e em outras premiações, não fosse a tamanha competência de Glenn Close e Janet McTeer, duas grandes atrizes que brilham em seus papéis.

            Na era pós-gênero, diversas discussões assolam a sociedade que imediatamente após o nascimento do individuo precisa definir sexo e gênero e assim determinar o resto da vida do indivíduo, mas o que poucos entendem é que esse pós-gênero fala também sobre as pessoas sem gêneros, que preferem não ser enquadradas (e nem têm essa necessidade) dentro de um sistema anteriormente existente que diga como ela deve agir ou por quem deve se sentir atraída, e não é lindo que um filme que se passa em pleno século XIX aborde tais questões tão contemporâneas?

sábado, 3 de março de 2012

Jovens Adultos (Young Adults, 2011)



                Seria decepcionante para as adolescentes que costumam ler histórias sobre vampiros que brilham sob a luz do sol descobrir que sua saga preferida foi escrita por uma mulher de meia idade, alcoólatra, desprezível e depressiva. Não, não estou falando de Stephenie Meyer, autora da Saga Crepúsculo, estou falando de Mavis Gary, a personagem interpretada por Charlize Theron em Jovens Adultos. Apesar de escrever livros sobre uma história boba para adolescentes, seu trabalho não é reconhecido porque não foi ela quem criou a franquia. Legal, huh?

                Mavis Gary recebe um e-mail que seu ex-namorado Buddy Slade (Patrick Wilson) mandou para sua antiga turma do colegial informando do nascimento de sua primeira filha, logo Mavis acredita que isso foi um pedido de socorro dele para que ela pudesse salvá-lo do tédio infernal de ser bom pai, marido e trabalhador, logo Mavis embarca em uma viagem para sua cidade natal e é obrigada a lidar com todas as coisas que outrora eram tão favoráveis a ela, mas que agora não passam de grandes incômodos que a distanciam do seu objetivo principal, reconquistar o ex-namorado.

                Confesso que não sou grande fã do primeiro trabalho como roteirista de Diablo Cody, o sucesso de crítica Juno, mas aqui Cody consegue sustentar sua história com pitadas de humor e tristeza, sem nunca trair sua essência. (não leia o resto do parágrafo se você ainda não viu o filme) Parece muito sarcástico que Mavis consiga finalmente terminar seu livro, que é literatura “enlatada” para adolescentes em uma lanchonete de estrada, mas vai saber onde de fato Stephenie Meyer acabou de escrever a saga de seus vampirinhos?!

                A força do filme certamente está na sua personagem principal, a autora Mavis Gary que nutre certo desprezo por qualquer pessoa que não tem a honra de ser ela própria, mesmo essa levando uma vida vazia de significados, álcool e sedentarismo. Incapaz de perceber a desgraça que sua vida se tornou, Mavis parece achar que sua vida parou no tempo e insiste em pensar que faça o que for sempre será aquela garota linda, popular e cheia de namorados no colegial, mas tudo isso desmorona aos poucos quando ela volta para sua cidade e tem de enfrentar coisas e pessoas (até mesmo seus pais) que deixou para serem esquecidos no passado.

                Interpretada com extrema sensatez por Charlize Theron, Mavis é um achado nos filmes independentes do ano, seu olhar sempre desprezível e arrogante, sempre pronta para afastar qualquer um que cruze os limites que ela mesma impõe, nunca conseguimos vê-la como uma chata e sem graça, talvez pela vulnerabilidade que lhe é conferida na segunda metade do filme, levantando uma relevante questão constantemente ignorada por nós: pessoas abençoadas com o dom da beleza também sofrem e têm problemas, sim.

                Resumindo, Jovens Adultos não é só um filme que preza pelo amadurecimento tardio de sua personagem, é um filme que fala sobre o quanto separamos uns aos outros pelo nível de beleza existente entre nós, mesmo sabendo que isso não nos levará a lugar nenhum. Mas, principalmente, nem sempre tudo é o que parece.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Tão forte e tão perto (Extremely Loud and Incredibly Close, 2011)




Stephen Daldry é um diretor com uma rica sensibilidade e isso é visível ao ver os filmes da sua carreira, mas ele possui uma característica singular que marca alguns filmes do seu currículo, ele sabe como ninguém falar do universo infantil. Ele começou fazendo isso em Billy Elliot, continuou em As Horas (conseguindo extrair uma linda interpretação do garotinho Jack Rovello, filho de Laura Brown), depois de um hiato em O leitor, ele volta a falar disso no seu mais novo projeto Tão forte e tão perto. Então, é fato que Daldry tem um nível de excelência em seus trabalhos como poucos diretores hoje em dia, é fato também que é um excelente diretor de atores, já que de cada filme seu sempre tem um vencedor ou indicado ao Oscar, seu nome virou sinônimo de qualidade.

Na estreia de seu mais novo filme, Tão forte e Tão perto, a crítica americana apontou seus defeitos e o lançou no mar do esquecimento (mas mesmo assim ele viu seu filme indicado ao Oscar de Melhor Filme e Melhor Ator Coadjuvante). O fato é que Tão forte e Tão perto está longe de ser o fracasso, a decepção que alguns clamam, mas também está longe do nível de excelência que Daldry costuma alcançar. Pelo fato de ser um diretor com uma visível competência, quando as pessoas veem seu nome em algum projeto, todos já esperam algo no mínimo digno de ser chamado de “obra-prima”, mas isso não acontece aqui, por isso tamanho questionamento.

Tão forte e tão perto, conta a história de um garotinho que vê seu pai que também é seu melhor amigo morrer no trágico dia 11 de Setembro, no atentado as Torres Gêmeas, a partir disso ele vai mergulhar em uma busca incessante atrás do enigma que seu pai deixou a ele, encontrar a porta que abre com a enigmática chave deixada no guarda-roupa. O roteiro é baseado no livro de Jonathan Safran Foer que é cheio de voltas e revoltas, passa por diversas situações, ora divertidas, ora dramáticas, portanto Eric Roth merece aplausos por ousar mexer em algo que adaptado para o cinema pode soar como um amontoado de clichês, não que  filme não escape disso, mas sei medianamente bem. Roth é o cara que escreveu Forrest Gump  - O Contador de Histórias e O Curioso Caso de Benjamin Button, então ele tem bastante experiência nisso.

Durante todo o filme percebemos que Oskar Schell, interpretado por Thomas Horn, tem uma mente peculiar, aliás, fica bastante implícito ao longo da projeção se ele realmente sofre de algum transtorno psíquico, só há um momento onde esse assunto é tocado, na cena em que ele conversa com a personagem de Viola Davis e afirma que uma vez fez um exame para Síndrome de Asperger, e mesmo que ele tenha algumas características, como a incapacidade de relação social (para isso seu pai o instigava através de buscas por coisas pela cidade que assim o obrigava a conhecer pessoas), ou a inabilidade de consolar os outros já que parece distribuir beijos e abraços para as pessoas aleatoriamente de forma distante e fria, sempre alienado do significado emocional que isso pode ter e até mesmo a identificação com números e lógica (já que para conseguir encontrar o dono da chave elaborou um esquema próprio, IZD, Índice de Zonas Dobráveis, que parece difícil para qualquer mente comum), nada é comprovado de fato, são apenas conclusões que se pode tirar.

O trabalho do garotinho Thomas Horn não é dos mais fáceis, aqui ele tem uma figura complexa, que se encontra em estado de luto e que tenta lidar com isso da forma como sua cabeça pede, seus conflitos emocionais estão sempre latejantes e nas cenas mais dramáticas, ele não decepciona, ao lado de Sandra Bullock e Max Von Sidow. Às vezes, o jovem Oskar pode soar mimado e chato, mas acredito que Thomas conseguiu lidar com isso de maneira formidável. Max Von Sidow surge como uma melancólica figura muda, sem pronunciar uma palavra o ator sueco oferece uma intepretação comovente, Viola Davis aparece como uma mulher chorosa e sofrida como sempre, mas é competente como sabe ser, e até Jeffrey Wright (da minissérie Angels in America) tem seu momento marcante, mesmo que minúsculo. Já Sandra Bullock faz o que pode com sua personagem unidimensional que surge pronta para chorar a cada cena em que aparece mesmo que não seja necessário, e Tom Hanks, aparece como uma figura única caricata.

Recentemente vi um filme francês chamado Brinquedo Proibido, que conta a aventura de duas crianças que se fascinam por cruzes e passam a roubar todas que veem, depois da morte dos pais de uma delas durante a Segunda Guerra Mundial, pude traçar um paralelo com Tão forte e Tão perto, já que parece que nos dois filmes as crianças passam a lidar de forma quase obsessiva por determinadas coisas depois da morte de alguém que amam, no processo do luto, as crianças parecem sempre focarem suas atenções em outras coisas para não ter que lidar com a dor da perda.

O fato é que esse parece ser o filme mais comercial de Daldry (Bullock e Hanks em um mesmo projeto, mesmo que para papéis coadjuvantes é sinônimo de boa bilheteria), e também o mais questionável, mas espero que Daldry consiga recuperar toda sua sensibilidade e inteligência e consiga fazer novamente um filme de tamanha excelência como As Horas.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Amores Imaginários (Les amours imaginaires, 2010)




Amores Imaginários conta a história de Marie e Francis, dois amigos que se apaixonam pelo angelical Nicolas, e que a partir daí vão iniciar uma competição silenciosa pela atenção e admiração dele. Nessa competição, os dois farão de tudo para agradá-lo e começam uma amizade a três, sempre juntos, até na hora de dormir, os dois são incapazes de descobrir por quem Nicolas está afim, já que este se revela um sujeito ambíguo a todo o momento, ou até mesmo de descobrir se ele está afim de um dos dois.
O triunfo do filme está no fato de acompanharmos as peripécias desse triângulo quase amoroso, acompanhamos o desespero de Francis e Marie para agradar Nicolas, esses personagens estão constantemente sendo filmados em câmera lenta no momento em que estão se arrumando e caminhando pelas ruas, tomados pela esperança de estar aos pés da beleza de “Nico” para poder agradá-lo e chamar sua atenção. Mais do que um retrato fiel sobre a necessidade de chamar atenção daqueles que amamos, Amores Imaginários funciona como uma análise sobre a busca incessante da juventude moderna pelo padrão de beleza universal, os personagens estão sempre maquiados, com o corte de cabelo perfeito e vestindo roupas caras, e são incapazes de perceber (assim como nós) o quão bobo isso soa, mas o filme parece nunca ter a pretensão de julgá-los (ponto positivo), e sim de extrair belas cenas da infantilidade de seus atos. Em contraponto a beleza “forjada” dos dois personagens, está a beleza angelical e quase etérea de Nicolas, um jovem que possui naturalmente todo o padrão de beleza que dizem que devemos alcançar, ele parece não fazer esforço nenhum para se tornar bonito e talvez isso seja o que mais invoque o amor deles.
Dolan é um jovem e competente diretor (sim, ele tinha apenas 20 anos na época em que escreveu, dirigiu e atuou no filme), usa música pop francesa até composições clássicas que a todo instante parecem capturar os gestos mais bonitos do ser humano e provar que o corpo humano já é bonito por si só, além do estilo na forma como enquadra seus personagens.
Amores Imaginários é um filme de moderado desespero, honesto até seu último segundo, que captura a alma insegura da juventude em relação ao primeiro amor, com um clima documental (já que este investe em pequenos depoimentos de estranhos sobre fracassos amorosos), que facilmente se tornará modelo para qualquer diretor que pretenda futuramente falar sobre amor na juventude.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Precisamos falar sobre o Kevin (We need to talk about Kevin, 2011)



Precisamos falar sobre o Kevin é um filme de análise de personagem, onde o objeto de estudo é Eva Katchadourian que tem sua vida mudada e destruída após o massacre causado pelo seu filho na escola em que estudava.
Através de uma montagem fragmentada e não cronológica vamos conhecendo a vida de Eva em diversos momentos, desde o início do namoro com seu marido até o momento em que tem que lidar com as consequências do ato cruel que seu filho cometeu. A montagem aparentemente desconexa serve aqui para que possamos perceber e refletir sobre as mudanças, tantos físicas quanto psicológicas, que a personagem principal sofre, enquanto Kevin ainda é criança, apesar de sua relação com o filho já se revelar conturbada, vemos na figura de Eva uma mulher vaidosa, inteligente e segura, ao passo que se revela extremamente cansada, distraída e antissocial depois da tragédia, e isso está extremamente claro no trabalho magnífico de Tilda Swinton, que abordarei a seguir.
O filme se inicia com a personagem feliz no meio de centenas de pessoas, sendo carregada toda suja de um líquido vermelho e a partir daí vai ser constante a luta de Eva para se livrar desse vermelho, seja quando ela acorda com a fachada de sua casa toda suja de vermelho em um ato de vandalismo ou quando seu filho suja de vermelho as paredes do seu quarto com uma pistola de brinquedo só para vê-la desesperada. O vermelho aqui pode significar a dor da personagem que jamais a abandona e principalmente, a crueldade do ato de seu filho, por mais que ela limpe seu carro, a fachada de sua casa ou as paredes do quarto, a tragédia nunca vai embora, o sangue sempre vai estar presente em suas mãos.
Assistir Eva sendo lentamente devorada viva pela culpa e pela perplexidade se torna um processo extremamente doloroso para o espectador, conhecer uma Eva resignada e tratada como a principal culpada do que aconteceu não é nada fácil, em certo momento ela está no corredor de um supermercado e de repente se esconde assustada e ofegante de uma mulher, deixando até sua bolsa para trás, quando mais tarde descobrimos que aquela mulher era mãe de uma das vítimas de seu filho, em outro momento Eva é agredida na rua e aceita a agressão como forma de punição, seja a agressão verbal ou física, isso vai destruindo a sua condição humana aos poucos e sem perceber Eva caminha para o fundo do poço.
O grande triunfo do filme com certeza está no trabalho fenomenal de Tilda Swinton, uma atriz que vem revelando-se mais competente a cada projeto. Tilda é hábil ao fragmentar o comportamento de Eva em dois momentos: antes da tragédia, como já havia citado, a personagem revela-se inteligente, vaidosa e feliz, demonstrando algumas nuances de revolta e insegurança perante o seu filho, mesmo que este ainda tenha seis anos de idade, ela se torna completamente imóvel ao tomar qualquer providência em relação às atitudes provocadoras dele. Logo após a tragédia, Tilda expõe a mudança drástica que sua personagem sofreu ao mostrar Eva quase como um animal indefeso, sendo tomada pelo medo de ser vista em público, e pela culpa através de nuances como um tom de voz mais baixo e sussurrado ou em um olhar cansado e perdido. Eva se empolga ao saber que pode se conectar na internet, Eva corre para o lado contrário quando alguém grita seu nome na rua, Eva aceita as ofensas e olhares de julgamento calada, como eu disse, não é uma tarefa fácil assistir a degradação humana de uma pessoa que não teve culpa em relação a nada.
Se você ainda não viu o filme, pule para o próximo parágrafo:
Kevin odiava a sua mãe mais do que tudo no mundo, e o grande objetivo de sua existência na terra era transformar a vida dela em um inferno, mas poupá-la de ser mais uma de suas vítimas talvez tenha sido um ato final de crueldade, porque morrer é rápido demais, deixa-la viva para suportar todos os dias a dor de perder sua família e ser constantemente o alvo fácil de uma sociedade hipócrita que aponta o dedo para todos os defeitos do outro, seria mais doloroso e cruel, o que ele não contava é que poderia estar completamente enganado.
Precisamos falar sobre o Kevin reflete sobre um tema que filmes como Elefantes, de Gus Van Sant e Tarde Demais, de Shawn Ku já debateram, apenas com um ponto de vista diferente, focando na suposta culpa e responsabilidade daqueles que deveriam educar para que seus filhos se tornassem seres humanos melhores.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Um homem que grita (Un homme qui crie, 2010)



Uma das mais visíveis características do filme “Um homem que grita”, é um paradoxo, centrado no personagem central o filme usa ao longo da projeção o silêncio como um elemento dramático, e o personagem central ao contrário do que imaginávamos é um homem calmo, pacato, e que quase nem abre a boca para falar.
No seu desenvolvimento, percebemos a triste transformação da sua vida, de salva-vidas chefe passar a ser um simples porteiro, e é aí que se encontra o maior triunfo de seu roteiro, na exposição da dualidade de seu personagem. Sempre centrado no desenvolvimento da boa relação pai e filho, o roteiro nunca deixa esse questionamento claro e explícito, ele fica apenas subentendido, guardado, como na triste cena em que o pai assiste o filho sendo capturado pelo exército e este gritando por ajuda e ele não faz nada, permanece dentro do quarto calado, paralisado. O roteiro primeiro desenvolve com habilidade a boa relação de pai e filho entre os personagens centrais, e como essa relação é afetada depois que o pai tem de decidir se o filho vai para guerra ou não, e consequentemente, se vai conseguir seu emprego de volta ou não. Sempre dividido entre ser um pai dedicado e um homem com orgulho, nunca conseguimos ver o personagem central como alguém ruim pelas suas atitudes.
O filme possui cenas de forte impacto, como no momento em que ele está sentado em um banco que costumava sentar com seu filho, e a câmera vai se aproximando lentamente para seu rosto, enquadrando aquele homem desiludido, ou na cena em que sequer tenta ajudar o cachorro vira lata que sempre alimentava quando este é chutado pelo novo cozinheiro.
Um homem que grita é um filme tocante sobre a covardia que mora dentro de nós e sobre o poder devastador que ela tem sobre a nossa vida.
Powered By Blogger

Sobre Cinema e Lobos

Minha foto
"Se você não vive a própria vida, não é como se vivesse outra vida, é como se não vivesse nenhuma."