Hoje
em dia vivemos em uma sociedade primordialmente sexual, onde toda a espécie de
vida humana é regida sob ele, o sexo. Desde o momento em que nascemos, quando o
médico diz: “É um menino” ou “É uma menina”, o individuo é criado e educado
para performar de acordo e a favor com que seu órgão sexual define, mas e
quando isso não acontece? É exatamente disso que Albert Nobbs discute; da vida
solitária e secreta das pessoas transgressoras do gênero.
Quando
você nasce, seu sexo define seu papel social de gênero, isso de acordo com um
pensamento ultrapassado, tradicional e canônico. De acordo com os estudos de
gênero modernos, sexo não define gênero, que além de ser socialmente
construído, não é natural por não haver nenhuma relação com o corpo. Ora, se
gênero é um constructo social, logo Albert é um homem, já que se veste e age
como tal, mas o fato é que ele não faz questão de se definir sob nenhum sistema
de sexualidade e é aí que habita a sua maior transgressão.
É
difícil falar de Albert Nobbs, ele é uma criatura completamente etérea, livre
de qualquer conotação sexual, puro e angelical, eu diria até que Albert não tem
sexo. Aliás, sexo, para ele, é um assunto extremamente complicado, já que este
se revela muito confuso ao descobrir que Hubert Page é mulher também, e casada
com outra mulher. Parado em frente do espelho, parece não compreender bem essa
situação e se pergunta como é possível isso acontecer, “uma mulher se casar com
outra mulher e viver como homem”. Na verdade, ele também é produto de uma
sociedade que precisa imediatamente rotular tudo o que vê.
Albert
Nobbs é um empregado de um pequeno hotel na Irlanda, no século XIX, admirado e
respeitado por todos, ele vive seus dias na mais completa calma e solidão,
escondendo sob seu apertado espartilho, seus seios, na verdade Albert é uma
mulher, que se disfarça para poder juntar dinheiro em uma sociedade machista
para abrir seu próprio negócio.
O
filme pode suscitar uma série de discussões, sobre o poder, sobre o papel
emancipatório da mulher em uma sociedade patriarcal e indiretamente até sobre as
definições modernas de gênero, já que nunca é possível definir qual gênero o
personagem principal pertence (o que nos gera um grande sentimento de
inquietação). Para alguns ele é uma mulher travestida, para outros é um homem,
mas basta conhecer um pouco sobre os estudos de gênero contemporâneos e
perceberemos que essa não é uma tarefa fácil de definição. Em certo momento ao
ser questionado sobre o seu nome, ele responde: “Albert”, e ao ser questionado
novamente sobre o seu verdadeiro nome, ele responde sem hesitar: “Albert”, ou
seja, essa é sua própria definição ou talvez ele não precise de uma.
O trabalho de
Glenn Close é bem sucedido ao retratá-lo como um ser assexuado, livre de
quaisquer maneirismos, com apenas um foco na vida, juntar seu dinheiro e montar
seu negócio, preocupado unicamente em fazer bem seu serviço e passar
despercebido por todos, Albert perambula por aquele local sem chamar muita
atenção, parece que seu olhar triste e resignado está sempre disposto a nos
provocar um sentimento de piedade por aquele ser invisível.
O filme foi visto por poucas pessoas, tendo gerado ao
estúdio poucos milhões de dólares na sua estreia nos EUA, talvez seja por isso
que tenha passado quase despercebido no Oscar e em outras premiações, não fosse
a tamanha competência de Glenn Close e Janet McTeer, duas grandes atrizes que
brilham em seus papéis.
Na era pós-gênero, diversas discussões assolam a
sociedade que imediatamente após o nascimento do individuo precisa definir sexo
e gênero e assim determinar o resto da vida do indivíduo, mas o que poucos
entendem é que esse pós-gênero fala também sobre as pessoas sem gêneros, que preferem
não ser enquadradas (e nem têm essa necessidade) dentro de um sistema
anteriormente existente que diga como ela deve agir ou por quem deve se sentir
atraída, e não é lindo que um filme que se passa em pleno século XIX aborde tais
questões tão contemporâneas?
3 comentários:
Simplesmente ótimo o seu texto Kauan. Ainda não assisti o filme, mas depois de ler o seu texto aumentou meu interesse.
Obrigado, Flávio! =)
Adoro ler suas análises e resenhas sobre os filmes. Como você também sou apaixonada por cinema e sempre que tenho um tempo, escrevo minhas notas sobre os que assisto e gosto. Sua análise sobre este filme é maravilhosa. Rodrigo Garcia é um dos meus diretores preferidos. Novamente parabéns.
Postar um comentário