Ao entrar no cinema,
ainda pelo horário de 17h30minh, o tempo estava claro e o céu azul, uma bela
paisagem. Quando saí do cinema, com os meus amigos, a noite já tinha caído, o
céu estava escuro e estrelado. O tempo passou, o dia virou noite, como é de se
esperar todos os dias, logicamente. Haneke poderia ter feito um filme sobre
essas horas que eu e mais dezenas de pessoas compartilhamos dentro de uma sala
de cinema. Competente do jeito que é, não duvido que saísse daí um filme muito
autoral e interessante.
Fiz esta pequena
introdução, óbvia em sua primeira parte, para explicar que enxergo em Amor um
filme que fala acima de tudo sobre o tempo, e não sobre velhice. Com o tempo vêm
os percalços, os infortúnios, a saudade e também a velhice, que parece ser mais
um estado de alma do que uma fase da vida.
Em Amor, acompanhamos o
dia a dia de um casal octogenário vivido de forma brilhante por Jean-Louis
Trintignant (Georges) e Emanuelle Riva (Annie), até que Annie (Riva) sofre um
AVC e fica com o lado direito do corpo paralisado. A partir daí, começa a
derradeira e irreversível descida ao fim.
Sou sobrevivente de
outros filmes de Haneke e para mim suas obras ultrapassam todos os limites
cinematográficos e seus filmes acabam virando experiências, na maioria das
vezes violentas, por isso me considero um sobrevivente, dentre tantos outros
que apreciam sua cinematografia. Com “Amor” não é diferente.
Em “Amor”, acompanhamos
o passar de um dia, um mês, ou oitenta anos. O tempo é elemento fundamental,
seja ele o tempo de cada cena, o tempo de seus personagens, que demoram mais
tempo para se levantar da mesa da cozinha para ir até a pia molhar um pano
(Haneke tem toda a paciência do mundo ao filmar a calma com que seus atores se
movimentam) ou o tempo que acontece fora, aquele que não vemos, o tempo que
Georges leva para pegar o álbum de fotos enquanto vemos Anne sentada na mesa da
cozinha, ou o tempo em que Georges vai até o outro cômodo da casa buscar Anne e
somos obrigados a ver o desconforto de seu ex-aluno em esperar na sala (desse
tempo, Haneke cuida especialmente bem, já que é característica de seu cinema),
ou o tempo real, esse o mais implacável de todos.
Com o tempo se vem a
velhice, por isso defendo a ideia de que o filme é sobre tempo e não velhice, a
velhice parece só chegar com o segundo AVC de Anne, até então os personagens
são apenas pessoas com mais tempo de vida. E ficamos surpresos ao descobrir que
esses dois vivem juntos há quase um século e ainda não sabem tudo um sobre o
outro.
“Amor” é uma poesia
cinematográfica, Haneke é um poeta, mas não um poeta bondoso e misericordioso,
apesar de ele tirar tanta beleza da implacabilidade e fúria do tempo, seu filme
ainda é forte e violento, porque mexe com aquilo que mais tememos durante toda
a nossa frágil existência: o fim.